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PARA LÁ DOS SIMPLISMOS:
Complexidade
e informação
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Ver só por fora
é fácil e vão
por dentro das coisas
é que as coisas são.
AGIR E
PENSAR LOCALMENTE
pensar e agir globalmente
A
relatividade e a mecânica quânti.ca (...) são
bonitas, além de fundamentais e correctas. Comecei
a perceber, à medida que as estudava, que a beleza
da natureza se manifesta tanto na elegância desses
princípios como no grito de um mergulhão
ou nos traços de bioluminescência deixados
na noite pelo porco-do-mar.
M. Gell-Mann, o Quark e o Jaguar
Poderíamos
ter um romance não consolatório, bastante
problemático
e, no entanto, agradável?
Umberto Ecco, Anotações
a O nome da Rosa
É muito complicado, dizemos. A frequência
desta frase merecia ser medida. É uma grande confusão,
sentimos tantos de nós, num dado momento, acerca
de inúmeras, diversas, corriqueiras ou improváveis
situações.
É complexo.
"No Universo
observável - contendo algo como cem mil
milhões de galáxias - talvez se
forme uma centena de sistemas solares em cada
segundo... O Universo é incalculavelmente
pródigo", diz Carl Sagan (Sombra
de antepassados esquecidos).
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Após longas prevalências das
visões e explicações mágicas
do mundo, (re-)emergiram na Europa pós-Renascimento,
com a força de uma ruptura, a procura de uma identidade
própria do ser humano e o papel central da razão
e do conhecimento - bases para um novo sistema filosófico
e para um novo paradigma científico.
Para que a razão iluminasse
o mundo e a vida, tornava-se necessário separar o
conhecimento da coisa conhecida, dividir esta em partes,
reduzir o todo às partes e abstrair de partes o todo...
Estes passos em frente traziam consigo, porém, um
risco, o de considerar que a vida e o mundo seriam como
uma maravilhosa e gigantesca máquina.
Na
linha de Descartes (do ego cogitans versus res
extensa), Laplace especula que se dispuséssemos
da informação necessária,
tudo seria previsível e o futuro seria
o cumprir do pré-conhecimento. "Uma
tal inteligência", escreveu, "
abarcaria na mesma fórmula os movimentos
dos maiores corpos do Universo e os do mais
pequeno átomo; para ela, nada seria incerto
e o futuro, tal como o passado, estaria presente
aos seus olhos" (a libertadora luz da razão
em vias de se tornar um pesadelo...).
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O
paradigma subjacente a esta posição dificultou
à ciência a tarefa de se pensar, de ligar os
seus ramos, de valorizar as interinfluências, as totalidades
e as complexidades e de se debruçar sobre os obstáculos
e enigmas.
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A partir do final do
século passado, quando a física se considerava
uma ciência quase acabada, apareceram no seu
próprio seio as interrogações
de Poincaré (sobre a força gravitacional),
a relatividade de Einstein, a mecânica quântica
e o caos: "a riqueza do mundo real é certamente
maior do que a de um mundo idealizado (a partir) de
um paradigma. O que parecia simples pode vir a revelar-se
extremamente complexo" (Jorge Buescu, Prefácio,
Caos).
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A
ciência que julgava saber tudo não explicava
o que é a matéria - as forças, movimentos
e interacções dentro dos átomos; e
perdera a capacidade de se interrrogar sobre acontecimentos
tão simples como a forma das nuvens, os remoinhos
na água ou as espirais do fumo de um cigarro. Que
não sabia explicar.
O
acaso. "Só o acaso constitui a origem de toda
a novidade, de toda a criação na bioesfera.
O acaso puro, o simples acaso, liberdade absoluta mas cega,
na raíz mesma do prodigioso edifício da evolução"
(O acaso e a necessidade, J. Monod). O acaso vindo da incerteza
dentro de um processo (que face do dado ficará em
cima? que genótipo será alterado pela radiação
que atingiu aquele peixe?) e aquele que vem de coincidências
entre dois processos diferentes (na elaboração
desta reflexão, se eu encontrasse não estes
três livros mas sim outros da minha lista, na última
ida à biblioteca, que diferenças haveria no
produto final?).
A
indeterminação impôs-se-nos
desde os anos vinte, com a natureza probabilística
da mecânica quântica e mais tarde
da electrodinâmica quântica: "A
luz compõe-se de partículas, fotões.
(...) Nesta experiência, alguns fotões
da mesma cor são emitidos por uma fonte
de luz, em direcção a um bloco
de vidro (...). Por cada cem fotões que
se dirigem para o vidro, uma média de
quatro são reflectidos e noventa e seis
passam através do vidro. (...) Não
é possível prever se um dado fotão
será reflectido ou não. Tudo o
que podemos prever é que, de cem fotões,
uma média de quatro serão reflectidos.
(...) A Natureza só nos permite calcular
probabilidades."
(Q E D , R. P. Feynman)
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A
não linearidade, a dependência sensível
das condições iniciais, a imprevisibilidade.
"Observem-se dois pedaços de espuma correndo
lado a lado para o fundo de uma queda de água. Até
que ponto se pode conjecturar quão próximos
estavam eles, no cimo? Não se pode.
(...)
Sistemas tão complexos como uma queda
de água podem ser reproduzidos por
equações matemáticas
simples; mas diferenças mínimas
na entrada podem tornar-se facilmente diferenças
enormes na saída. Em termos de clima,
por exemplo, isso traduz-se naquilo que é
conhecido, semijocosamente, por Efeito Borboleta
- a noção de que uma borboleta
que agite o ar hoje em Pequim pode influenciar
tempestades no próximo mês em
Nova Iorque. (...) Aqueles que estudavam a
dinâmica do caos descobriram que o comportamento
desordenado de sistemas simples funciona como
um processo criativo: gera complexidade, padrões
ricamente organizados, algumas vezes estáveis,
algumas vezes finitos, mas sempre com a fascínio
das coisas vivas"
(Caos, J. GleicK).
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E
aqueles que a partir dos anos setenta tinham começado
a preocupar-se com fenómenos complicados descobrem
nos sistemas dinâmicos de comportamento não-linear,
isto é, no caos e na ordem dentro dele - a invariância
de escala; os atractores estranhos; os padrões; ...
- uma melhor abordagem: a validade universal das leis da
complexidade. Biólogos, economistas, quimicos, ecologistas,
matemáticos, meteorologistas, físicos, geólogos,
sociólogos, astrónomos, engenheiros, psicólogos,
planeadores urbanísticos, médicos, ... começavam
a poder enfrentar a irregularidade. A vida real.
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A vida real está
em aberto. Indeterminada, imprevisível ao nível
micro (quântico) e macro (evolução
natural e cultural; comportamento caótico de
sistemas simples e complexos; ... ). A vida é
um jogo de probabilidades, uma questão em autoprodução
contínua entre acasos e interacções
complexas, num "mundo de propensões".
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"A vida é,
não uma substância, mas um fenómeno
de auto e eco organização extraordinariamente
complexo, que produz autonomia", citando E. Morin (Introdução
ao.
Os Sistemas Adaptáveis
Complexos recebem informação, descobrem regularidades,
comprimem-nas em esquemas, e com esses esquemas descrevem
o mundo, podem tentar prever o seu futuro, autoprescrevem
o seu comportamento e aprendem com os resultados obtidos:
autoorganizam-se. pensamento complexo).
"Os sistemas adaptáveis
complexos funcionam melhor num regime intermédio
entre a ordem e a desordem" (como acima
referido, de passagem, acerca da aceleração
da mudança). "Muitas das características
que são tão óbvias na
evolução biológica podem
ser encontradas, numa forma bastante semelhante,
noutros sistemas adaptáveis complexos,
como o pensamento humano, a evolução
social e a computação adaptável.
Todos estes sistemas estão sempre a
explorar possibilidades, a abrir novos caminhos,
a descobrir limiares e, ocasionalmente, a
dar à luz novos tipos de sistemas adaptáveis
complexos. Tal como na evolução
biológica estão sempre a aparecer
novos nichos ecológicos, também
continuam a ser descobertas novas formas de
ganhar a vida em economia, a ser inventadas
novas teorias no campo científico,
...
(O Quark e o Jaguar).
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Estes sistemas, que são também
(ou noutra terminologia) sistemas abertos, desenvolvem com
os seus meios relações de pertença.
"Enquanto o sistema fechado tem pouca
individualidade (pouca diferenciação) não
tem trocas com o exterior e está em muito pobres
relações com o meio, o sistema auto-eco-organizador
tem a sua própria individualidade ligada a relações
muito ricas e, portanto, dependentes do meio. Mais autónomo,
está menos isolado" (Introdução
ao pensamento complexo).
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A complexidade desenvolve-se
a partir de dentro de redes de troca e de pertença
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A
complexidade integra o simples e a simplicidade - mas ultrapassa-os,
unindo-os aos seus contraprocessos. O complexo organiza
a ordem, a invariância, e a desordem, a imprevisibilidade,
numa mesma realidade. Complexus: o que é tecido em
conjunto. Complexidade: "o tecido de acontecimentos,
acções, interacções, retroacções,
determinações, acasos, ... que constituem
o nosso mundo fenomenal" (diz Edgar Morin).
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A complexidade considera
os pólos antagónicos mas complementares
de uma mesma realidade; comtempla os produtos e
efeitos como sendo simultaneamente causas e produtores
daquilo que os produziu; vê a parte no todo
e o todo na parte.
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Pedindo ainda emprestada a Edgar Morin mais
uma expressão, suspeitamos de que a essência
das coisas, do mundo, "não é simples
nem complexa: é inconcebível".
"Vivemos num tempo atónito que
ao debruçar-se sobre si próprio descobre que
os seus pés são um cruzamento de sombras"
- diz B. Sousa Santos (Um discurso sobre as ciências).
"Tal como noutros períodos de transição,
difíceis de entender e de percorrer, é necessário
voltar às coisas simples, à capacidade de
formular perguntas simples, perguntas que, como Einstein
costumava dizer, só uma criança pode fazer
mas que, depois de feitas, são capazes de trazer
uma luz nova à nossa perplexidade".
A
emoção, a ética e a estética
da pesquisa e da acção estão no cerne
da nossa perplexa pósmodernidade.
O
êxito e o fracasso não existem
(...). Vive-se, apenas (como diz Isabel Allende,
em O Plano Infinito). Também já
entendemos que não há paraísos.
Nem processos lineares. Tudo pode ser sorte,
tudo pode ser azar - e, muito provavelmente,
será as duas coisas.
Interrogamo-nos
sobre o futuro, sobre o passado, sobre a evolução
- e sobre o presente.
Por exemplo: afirmam alguns cientistas que
animais de uma mesma espécie aderem
tanto mais facilmente a um novo comportamento
(mais bem adaptado à mudança
no ambiente) quanto mais difundido esse comportamento
já estiver, em toda a espécie
ou pelo menos dentro daquela colónia.
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Verifiquem-se ou não estas convergências
na evolução dos seres vivos em termos biológicos,
parece certo que acontecem em termos sócio-culturais
- na evolução cultural.
Por exemplo,
vários autores têm chamado a atenção
para a frequência com que diferentes investigadores
chegam, simultânea e independentemente,
a conclusões, propostas, descobertas
científicas semelhantes (ou iguais).
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Por isso, não é de estranhar que as novas
perspectivas sociais - teóricas, políticas
e práticas - não sejam um fenómeno
isolado. Quantas mais coincidências e simultaneidades
acontecerem, mais probabilidades temos de estar em bons
caminhos - e de contribuírmos para o reforço
dessas orientações, a nível mundial.
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De facto, em todos
os continentes, diferentes grupos e comunidades chegam,
isoladamente muitas vezes, aos mesmos princípios
e a soluções muito semelhantes, a partir:
da noção de cidadania e da importância
de reforçar a sociedade civil; da acção
territorializada e do desenvolvimento local; da abordagem
da pessoa na sua totalidade, (inter)culturalidade,
contextos e percursos; da articulação
e das parcerias; da valorização dos
recursos (bens e capacidades) próprios; ...
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Seja porque estas novas formas de nos organizarmos
respondem a "inconscientes colectivos" ou a qualquer
impulso evolutivo, "adaptativo", a sua emergência
tão forte, simultânea e coerente indica não
só que novas visões e práticas da vida
colectiva estão a nascer, mas também que estes
mecanismos estão mais adequados às novas realidades.
Assim,
ao trabalharmos com os nossos parceiros (cidadãos,
grupos, serviços) não estamos só a
melhorar a qualidade de vida na comunidade com que intervimos;
estamos também a reforçar um movimento global,
que por sua vez tenderá a facilitar os nossos esforços.
Assim
também, por exemplo, quanto mais ideias
propostas nesta reflexão já tenham
sido enunciadas por outros, tanto maior será
a sua probabilidade de adequação.
Uma sorte. É muito mais interessante
testar hipóteses sobre orientações
da evolução cultural (e entrever
contornos das novas, futuras, formas de organização
das sociedades) do que dissipar energia em eventuais
discussões sobre autorias...
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VALORIZAÇÃO e gestão da diversidade:
TODA A COMUNICAÇÃO É INTERCULTURAL
PARA SE ENTENDER ALGUÉM, É
PRECISO QUE ME APROXIME DO SEU PONTO DE VISTA,
DA SUA PERSPECTIVA: PARA O QUE TENHO DE ESTAR DO SEU LADO; E PERTO.
em Aikido de Negociação, P. Carvalho
Edwin Hoffman é professor na Escola
de Serviço Social de Eindhoven, Holanda. Desde há
vários anos que estuda a comunicação intercultural,
tendo criado um notável modelo para análise e intervenção
em problemas ou crises neste campo (o modelo TOPOI). No contexto
desta reflexão é, porém, especialmente significativa
a visão em que esse modelo está assente, isto é,
a síntese da sua abordagem teórica, sistémica
e pluralística. É tão significativa que justifica
o risco da sua tradução... e dispensa mais comentários
(excepto que os sublinhados e os parênteses, com os seus
conteúdos, são meus).
Comunicação
Intercultural - Uma
abordagem sistémica e pluralística
Visão / Atitude:
1 . A comunicação é
universal
- Na sua essência, a comunicação
é idêntica em todas as partes do mundo.
- A comunicação de uma pessoa só
pode ser entendida no contexto de todos os sistemas
em que ela vive. Cada um destes sistemas é
caracterizado por uma cultura própria.
- Cada pessoa desenvolve
a sua própria identidade multicultural.
- Toda a comunicação
é intercultural.
2 . A interacção /
comunicação no centro
- Nem abordagens culturais nem anti racistas
- Abordagem situacional e individual
- Não tolerância passiva, mas sim o
desafio da responsabilidade mútua
3 . Uma atitude aberta e reflexiva
- Ser capaz de reflectir sobre a nossa própria
posição.
- Ser capaz de reflectir sobre os nossos próprios,
relativos, conjuntos de valores.
- Ser capaz de reflectir sobre a nossa própria,
estreita, perspectiva.
- Ser aberto a diferentes perspectivas e valores.
4 . A comunicação desenvolve-se
circular e não linearmente
- Influenciamos e somos influenciados ao mesmo tempo.
- O que estou eu a fazer... que leva o outro a...
(contributos e não culpas).
5 . Uma visão pessimista da comunicação
- O desentendimento é
a regra e não a excepção.
- Entender a dificuldade (complexidade, interculturalidade,
circularidade) da comunicação ajuda
a evitar irritação, auto-censura e
censuras ao outro.
6 . Uma visão optimista das
pessoas em comunicação
- Cada um/a dá o seu
melhor.
- Cada comportamento é razoável, do
ponto de vista da própria pessoa.
- As pessoas podem evoluir.
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INFORMAÇÃO, TROCAS
E COMUNICAÇÃO
... Os Meios garantem os Fins ?
O
conceito que se opõe ao de entropia, desordem,
é o de informação - para a organização.
( . . . )
A entropia pode ser vista como uma medida da ignorância
(de informação importante)
M. Gell-Mann
...QUANTO
MAIS INCERTOS OS RESULTADOS FINAIS,
MAIS IMPORTANTE O MODO, O COMO TRABALHAMOS
Quando tudo se complica, há que redobrar
a atenção às coisas "simples":
tais como a passagem e a circulação da informação.Como
sabemos, não temos qualquer espécie de garantia
quanto aos resultados (a curto, médio e longo prazo) da
nossa intervenção; apenas resta uma "boa probabilidade",
uma propensão ou tendência: se os métodos
de trabalho forem correctos, os produtos e subprodutos acabarão
por ser adequados - mesmo de formas imprevistas.
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A primeira grande exigência,
neste contexto, é que a difusão de informação
tenha um carácter sistemático. Muito do nosso
trabalho de facto mais importante exige a humildade de quem
não "se protagoniza" em circuitos e não
se projecta em conteúdos, mas assegura a limpeza
e manutenção de canais de comunicação
(como os funcionários que fazem uma estrada, que
varrem a rua ou que reparam as linhas telefónicas).
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A
nossa orientação e vontade também contam:
mas a intenção tem uma relação paradoxal
com a realidade e a informação (É muito importante
e não tem importância nenhuma: "quem sabe faz
a hora", "querer é poder"; mas "cada
coisa é o que é", e este limite tende para
o infinito, de tanto que há a descobrir dentro dele...).
É
decisiva esta face, uma das mais ocultas do trabalho social: a
preparação, o acompanhamento, a informação,
a formação informal.
Importa
valorizar este investimento escondido: há quem
registe o número de horas de reunião
necessárias para concretizar o apoio à
legalização de uma associação;
há quem contabilize o tempo dos diferentes
contactos exigido pelo seguimento de uma situação-problema
de uma família. A invenção de
novos indicadores não nos ajuda só a
planear melhor; pode contribuir para a visibilidade
e valorização do trabalho que fazemos.
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Criar
bons instrumentos de trabalho, a nossa versão da aplicação
das técnicas e seus instrumentos, e tratar os dados neles
contidos, é outra prioridade; bem como ter a informação
e a comunicação, pontuais e contínuas, como
dimensões prioritárias de todas as acções:
Procurar sempre saber o que
as pessoas ou grupos já fizeram; o que já
tentaram com ou sem sucesso; como avaliam outras
hipóteses; que outros recursos têm.
Procurar não praticar o "antes de mim,
ou fora de mim, o deserto" (que, embora infelizmente
frequente em várias versões, é
inconciliável com a valorização
dos recursos endógenos e com a eficácia
sustentada).
Sintetizar, reflectir e devolver
(para "cima" e para todos os "lados")
a avaliação que fazemos sobre cada
processo (em sentido lato), não esquecendo
os que ficaram de fora - quem não participou
neste projecto, quem não foi abrangido por
aquela medida - e os constrangimentos que essas
ausências revelaram.
Ter presentes, e o mais públicos
/ visíveis possível, conforme o adequado
a cada nível, os percursos acordados:
. "Mapas" - com as "infraestruturas
cívicas" - recursos sociais locais;
ou com a programação simplificada
das acções; ou ...
. Organigramas, fluxogramas, cronogramas
simples;
. Com as famílias e
cidadãos, as estratégias acordadas
(e/ou a sua tradução em contratos
e projectos; ou ainda, noutra linguagem, os planos
de "inserção").
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A informação-para-a-organização,
nos seus sentidos teórico-científicos, pode levar-nos
também a ver certos processos a outra luz: por exemplo,
as LINGUAGENS e as suas correspondências com a realidade.
Novamente por exemplo, se estivermos a prestar a devida e rigorosa
atenção à expressão do nosso pensamento,
as eventuais desadequações, mal-entendidos ou falhas
no desenho de um projecto saltam logo na formulação
participada dos objectivos.
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Aquilo que constitui o nosso
problema é o nosso desempenho na transmissão
de informação: a iniciativa de pôr
na mesa aquilo que se sente, quer, pensa; ter em conta
não só as nossas intenções
mas sobretudo o impacto, o modo como este comportamento
pode ser percepcionado pelos outros; o constante aperfeiçoamento
dos modos de transmissão de dados para que possamos
ser entendidos pelas outras pessoas, sem confundir esta
atitude com justificações ou desculpas;
a recusa de servir de elo em cadeias de transmissão
de informação incorrectamente veiculada
ou de qualquer outra forma envenenada.
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Quando
informação desvirtuada chega até
nós, o melhor é tratar de a devolver,
anotada, à procedência; e não
contribuir para a sua difusão, sobretudo quando
choca com os interesses dos Cidadãos (por exemplo,
imaginemos uma situação concreta: recebemos
indicações para fazer duplo registo
de assiduidade dos Participantes numa dada acção
de formação. Após uma breve experiência,
ficou claro que esse procedimento não se adapta
ao nosso público, que é por hipótese
adulto e profissional, nem à nossa realidade
organizativa, também por hipótese de
formação pós laboral e em curtos
períodos de três horas/dia. Pois bem,
então devemos nós assumir a tensão
entre a desadequação dessa regra e o
nosso caso específico; e ir até onde
pudermos para que a intenção por detrás
da expressão seja aplicada de forma inteligente,
diferenciada e não indiscriminadamente. Só
em último caso a desadequação
entre as normas e a realidade serão passadas
para os Participantes; antes cabe-nos a nós,
Profissionais, tentar alterá-las. Afinal de
contas, adultos que passam um dia assumindo pesadas
responsabilidades não podem ser tratados como
crianças que estão o dia todo num colégio;
procedimentos de controlo desadequados têm geralmente
efeitos muito negativos; e se só há
três horas de formação por dia
é absurdo gastar bastantes minutos a assinar
à entrada, "trancar", assinar à
saída e voltar a "trancar" a folha
de assiduidade - o tempo é um recurso precioso
e escasso. Por isso deveremos protestar, esclarecer,
debater; e só quando não houver esperança
de recursoé que iremos transmitir aos Formandos
esta exigência, juntamente com a informação
suficiente sobre o processo para que se possam manifestar,
se acharem que é caso disso).
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Ser
profissional implica assumir responsabilidades como esta de procurar
corrigir disfunções, devolver as bolas mal lançadas
em vez de as deixar passar e causar estragos, emendar os erros
nos processos ou, pelo menos, limitar o seu impacto sobre os Cidadãos.
Que
fazer se verificamos que não temos algumas
informações básicas para a elaboração,
por exemplo, de um projecto - como: quem são
exactamente aquelas pessoas; quais os diferentes recursos,
bens, capacidades, potencialidades locais; quais as
principais referências e aspirações;
como mobilizar dinâmicas comunitárias;
... ? A falta de informação significativa,
como reafirmámos, não é um pequeno
pormenor . Por isso, o melhor, geralmente, é
reduzir os objectivos, o tempo e outros meios, no
nosso exemplo a um projecto inicial, com acções
experimentais de animação e de estudo
do meio, isto é, com carácter de investigação-acção
participada. Da avaliação desse primeiro
projecto surgirá uma melhor estratégia
para o continuar; e assim sucessivamente (conhecer
melhor para agir melhor para conhecer melhor para
agir melhor para ...).
Promover
os intercâmbios, as trocas com outras experiências,
por várias formas e a todos os níveis
(não só de Técnicos ou Chefias...);
em muitas realidades diferentes se vem valorizando
estes contactos e o seu efeito de reforço
sobre as dinâmicas locais de conquista de
autonomias. Especialmente os grupos que se querem
formalizar e iniciar um empreendimento (qualquer
iniciativa económica, social ou cultural)
tendem a dar importantes "saltos" em maturidade,
por este simples processo.
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Mas
é também nossa responsabilidade alertar para que
não se importem soluções, pelo menos sem
cuidadoso exame e adaptação, porque cada caso é
um caso e a informação sobre uma realidade é
que vai permitir que organizar não seja fonte de demasiados
constrangimentos sobre a(s) realidade(s).
Todos
nós já sentimos a desadequação
- ou os disparates, em bom português - que vêm
de cópias ou de comparações mal
feitas: não estamos bem nessa pele. Em parte
é este ignorar informação significativa,
e manipular da restante, que torna desaconselháveis
as comparações superficiais (por oposição
à análise comparada, método fecundo
de estudo). Um exemplo, em termos pessoais: quando
já não temos mais nenhuma razão
e invocamos comportamentos piores de outras pessoas,
à laia de justificação, devia
haver um sinal a passar a vermelho... É de
parar; esse caminho não tem saídas que
nos des-envolvam).
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Falta
de informação resulta provavelmente em erro. Será
que os nossos erros derivam de termos avançado sem suficiente
informação significativa? Ou será que é
melhor não falar de erro? . . . Os nossos julgamentos de
erro nos outros derivam de não termos informação
suficiente para entender? É por isso que o melhor conselho,
depois de toda a solidariedade, é "tu é que
sabes"? ... Será que só temos informação
suficiente para nos debruçarmos sobre os nossos próprios
erros (eles próprios, por sua vez, derivados de falhas
de informação)?
Reservemos
a nossa indignação. Em vez de nos dispersarmos em
iras face a erros dos outros, guardêmo-la para lutas que
valham a pena.
Cuidar da comunicação
- das condições para a comunicação,
dos seus tempos, canais, expressões, conteúdos -
"dentro" e "fora" dos vários circulos
mais ou menos concêntricos que marcam os nossos "dentros"
e os nossos "foras", requer respeito. Sem ingerências
mas com responsabilidade solidária (um fio de navalha...).
Uma ajuda para nos equilibrarmos
neste arame é a preocupação com o concretizar
da capacitação, com a promoção das
autonomias, com a liberdade.
A informação e a comunicação arrastam
a formação. A dos outros e a nossa.
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A comunicação
para a intervenção social, hoje, leva-nos
a fabricar, manter, alargar, aperfeiçoar e multiplicar
redes - e a deixar que cresçam, se autonomizem e
diversifiquem; a aceitar a sua existência por igual,
sem desvalorizar aquelas a cuja origem não estivemos
ligados ou com as quais não nos identificamos. Pois,
é dificil: também neste nível relacionarmo-nos
é comunicarmos com o diferente, e toda a comunicação
é intercultural...
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Apropriação
- Participação - Adesão
Cada
um/a de nós é um ponto de vista.
(Ana e o Tio Deus)
... então só a participação
de todos-os-possíveis-interessados
nos dará a vista sobre todos os pontos.
O
MEU DESENVOLVIMENTO ACONTECE QUANDO EU ME INVISTO
John MacKnight
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A PARTICIPAÇÃO
é um desafio constante: vai à nossa frente,
cada vez mais fundo, dentro da reflexão sobre o modo
de trabalharmos. Leva-nos de camada em camada de ressonâncias,
ligações, significados e implicações.
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Em
termos do trabalho social, participação não
é passiva; não é o mesmo que adesão...
Alguém dizia há muitos anos (já nem sei quem)
que, neste sentido, trata-se de adesão quando por exemplo
entramos num autocarro numa carreira: se queremos, pagamos o bilhete
e naquele percurso determinado por outros, naquelas condições
- e com sorte - podemos atingir mais rapidamente um destino. Já
participar nem é só entrar no jogo: é poder
mudar-lhe as regras, as marcações e os limites (não
só definir o trajecto daquele autocarro, mas poder decidir,
por exemplo, levá-lo para o ferro velho, onde devia estar
porque é demasiado poluente).
Podemos falar da capacidade
técnica de prepararmos a nossa intervenção
para que seja supletiva, o menos decisiva possível?
Podemos falar da arte de nos sabermos retirar com
graça, o mais cedo que pudermos, da ribalta
de cada projecto (isto é, de saber fazer
a hora, com empenhamento mas com a menor projecção
que pudermos) - e provavelmente não desaparecer
de cena, mas ficar no fundo do palco, sendo figurante
que aceita o que tem que ser (que tem muita força)?
... É escultor só quem molda impondo,
rompendo, inventando, ou também quem ajuda
a revelar as formas que existem na madeira ou no
mármore, descobrindo-as ao mesmo tempo que
se descobre e que aceita que nesta interacção
a sua própria identidade se produza e se
revele?
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Quanto melhor a nossa participação,
tanto maior a participação dos outros. Por isso é
bom reflectir ao longo de cada processo se são dos devidos
protagonistas:
. a iniciativa; as decisões; os conteúdos; ...
. o ritmo; os espaços e modos; o controle e avaliação;
...
Quando
falamos de intervenção social - ou trabalho social,
ou acção social, ou, noutro âmbito, serviço
social, ou animação, ou educação -
é suposto intervirmos, nós e a nossa organização,
para o desenvolvimento da comunidade, e não principalmente
para o desenvolvimento do organismo (como diz a Isabel Rebelo).
Mas os tempos das instituições não são
os tempos das pessoas, grupos e comunidades; as nossas formas
de fazer podem ser inibidoras de dinâmicas embrionárias;
e a nossa preocupação com a resposta aos problemas,
com as coberturas às necessidades, pode impedir o surgimento
e desenvolvimento de iniciativas dos próprios que os vivem.
Uma contradição para assumir, não para resolver.
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É que, mais longe
ainda que a participação, preocupa-nos hoje
a apropriação dos processos e projectos pelos
que, quando os tornam seus, têm nas mãos a
chave do seu desenvolvimento e do desenvolvimento local.
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INTERVENÇÃO -
acção colectiva - INTEGRADA E COMPLEXA
Quando se constroem escadas (entre diferentes
ciências)
a melhor estratégia é partir, simultaneamente,
da base para o topo e do topo para a base
Murray Gell-Mann
PÕE
QUANTO ÉS NO MÍNIMO QUE FAZES
Fernando pessoa, "ODE"
Complexidade é uma palavra problema
e não uma palavra solução
Edgar Morin, Int. ao Pensamento Complexo
A naturalidade, a fluência e a alegria (ou o prazer criativo,
ou o entusiasmo solidário; podemos privilegiar várias
das faces do gostar daquilo que se faz) da acção
social profissional está à nossa espera, inteira,
uma vez dobrado o cabo das tormentas da complexidade. Esse natural
fluir e essa alegria não se recriam, não se (re)conquistam,
perseguindo impossíveis paradigmas perdidos, de redutoras
simplicidades.
Podemos
imaginar que uma intervenção integrada, mesmo em
contextos mais simples do que os nossos de hoje, se torne complexa
ao ter que ter em conta as interacções e retroacções
de diferentes realidades; quanto mais nos nossos aqui e agora...
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A "reabilitação"
das emoções, a pertença (e não
a exterioridade), a ultrapassagem dos dualismos (bem-mal,
mente-corpo, verdade-falsidade, causa-efeito, ...), a relativização
como princípio (por exemplo, nas abordagens multiculturais),
as contradições da interacção
local-global, são alguns dos padrões que vão
marcando, tecendo, o nosso pensar e agir.
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Pensarmos
e agirmos conscientes de paradoxos, da tensão entre pólos,
não abdicando de nenhum deles nem da sua complementaridade,
apesar de serem opostos.
Vamos
descobrindo em diferentes contextos da nossa vida - e sabêmo-lo
do nosso dia-a-dia de trabalho - que quanto mais fundo é
um problema, mais as escolhas se fazem por conjunção,
por e em vez de ou - e mais temos que trabalhar na "corda
esticada" , na tensão entre forças que se atraem
e se repelem:
Como
face a uma situação concreta de um cidadão
com alguma dependência: apoiar o seu direito (como contribuinte,
consumidor, pessoa) a ter a prestação de serviço
que pede e o seu direito, menos visivel, a manter e alargar os
seus laços e diversificar as suas dependências, o
que nos exige a promoção das redes de solidariedade
familiar e de vizinhança e não a sua substituição
pelo "consumo de solidariedades mecânicas".
Como
face aos direitos de uma criança que, suspeitamos,
se encontra em situação de risco.
O seu direito às condições
para que se possa desenvolver favoravelmente - e
o seu (igualmente essencial) direito como ser humano,
de amar e respeitar a Mãe e o Pai (ou pelo
menos um deles, ou seus substitutos) e saber-se
amada por eles. A dilaceração que
é trabalhar com estas situações,
sabendo que o amor áquela criança
também é, muitas vezes, a "ponta
por onde podemos pegar na família" -
só que a criança não é
uma boia de salvação. O alívio
quando a tensão diminui, e conseguimos não
perder de vista nenhuma destas forças sem
que sejam já tão opostas (ou porque
se produzem mecanismos de autocontrole da situação;
ou porque mais alguém apareceu no "mapa";
ou porque foi possível negociar saídas,
distanciamentos temporários)...
Como
no acompanhamento de grupos, na dinamização
das comunidades, nos seus reflexos na sociedade:
estaremos a contribuir para formatações?
Que servem para quê e a quem? Especialmente
para o Serviço Social, que nasceu "para
servir de pára-choques entre a potência
ouro e a potência desespero", o paradoxo
liberdade-inserção, transformação-manipulação,
emancipação-regulação,
está sempre muito presente; mas também
o está para outros agentes sociais e económicos.
Afinal, secalhar exigimos aos pobres, ou a quem
está numa situação difícil,
um controlo, um esforço e uma disciplina
férrea - com os projectos de vida, com os
contractos, com as micro-empresas e o micro-crédito,
com a gestão do quotidiano em função
de um futuro como se ele não fosse incerto
... - que nenhum/a de nós aplica na sua própria
vida.
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Não parece haver saída para
fora destas interrogações. Resta assumir as tensões
e acreditar que se trabalhamos com lucidez, no próprio
coração destes paradoxos, analisando e devolvendo
os resultados (processos e produtos) de cada acção
que se faz ou que não se consegue fazer, a própria
complexidade das realidades se encarrega de ir produzindo respostas.
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Estas questões e
tensões emergentes deixam connosco, também,
várias responsabilidades "novas": como
ter o cuidado de analisar criticamente todos os lugares
comuns, as "verdades feitas", o que é porventura
tido por bom senso e pode não ser já adequado.
Outra nova responsabilidade é a revalorização
da prática. A prática-em-cada-real é
a principal fonte de aprendizagem: se olhamos atentamente
o que se passa talvez possamos apreender os segredos que
o presente está a desvendar e que vão formando
o futuro.
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A
responsabilidade de programar de forma articulada / integrada,
por objectivos; de REFLECTIR, DEBATER E AVALIAR OS PROCESSOS E
RESULTADOS, quer de forma contínua quer em momentos especiais
(aos três níveis: eficiência e eficácia;
impacto - a curto, médio e longo prazos; adequação)...
De contribuir para o crescimento da REFLEXÃO contínua
SOBRE::
o
que se faz - natureza, adequação, consequências;
por-quê e para quê se faz - objectivos
e finalidades: se não há boas razões
para fazer o que quer que seja, não se faz,
isto é, mais vale não fazer;
como se faz - de quem foi a iniciativa; quais os processos
de tomada de decisão; quem está incluído
e quem está excluído; com que responsabilidades;
quais os modelos e atitudes subjacentes; que relacionamentos;
que informação, formação,
organização; que dinâmicas e metodologias
são mais adequadas; ...
com que resultados - quem beneficia, em que medida,
que resultados inesperados (sinergias e efeitos perversos),
....
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A
responsabilidade de procurar a INTEGRAÇÃO de níveis
de intervenção, de buscar e criar ARTICULAÇÃO
& LIGAÇÕES: GLOBAL - NACIONAL - REGIONAL - LOCAL;
MACRO E MICRO; ...
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De articular os diferentes
níveis de intervenção, tendo-os sempre
presentes e respeitando os mesmos princípios básicos
em todos eles, sem dicotomias entre pessoa, família,
grupo ou comunidade
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por
exemplo, o reforço da pessoa enquanto cidadão
está presente na dinamização
de dinâmicas associativas ou no apoio a organizações
da sociedade civil; os cidadãos são
parceiros a nível individual tanto como colectivo;
a valorização dos recursos próprios
é fundamental na avaliação diagnóstica
de situações de famílias como
de comunidades; ... - também nós verificamos
o princípio da invariância de escalas,
as características do todo presentes nas partes,
que é uma das pedras angulares do caos como
ciência interdisciplinar.
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De articular os diferentes saberes, diferentes olhares, para chegar
a abordagens mais abrangentes do real. A responsabilidade da inter
disciplinaridade. De articular os diferentes serviços, para
poder responder melhor e actuar sobre causas, além de sobre
efeitos. A responsabilidade da inter sectoralidade. A responsabilidade
de tratar sempre cada cidadão e os cidadãos, bem como
os seus grupos e associações, como parceiros.
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TUDO ISTO SEM ESQUECER
QUE FALAR NÃO É FAZER
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